O balde.
Normalmente as pessoas costumam ter aspirações na vida. Grandes ou pequenas. Fáceis ou difíceis. Apenas aspirações. Muitas das pessoas que aspiram coisas grandiosas acabam perdidas no labirinto das próprias mentes; acham que nunca conseguirão, ou que são apenas sonhos que jamais se tornarão realidade. Indo de encontro a tudo isso, Maya sempre teve pequenas aspirações, pequenas e numerosas aspirações. A verdade é que seus desejos e vontades, suas aspirações, sempre dependeram do contexto da sua vida.
Durante a faculdade Maya quis ter seu próprio balde.
Morava em uma pensão no centro da cidade. O apartamento de dois quartos era pequeno, escuro, e infestado de baratas. Com ela moravam mais oito pessoas. Oito mulheres na mesma situação que ela. Inexperientes, universitárias, sem dinheiro e ingênuas em relação a vida. O apartamento não tinha área de serviço, era apenas dois quartos, uma sala, uma cozinha minúscula e um banheiro espaçoso. Desta forma, Maya e suas recém amigas não tinham onde lavar roupas, a não ser no banheiro. Haviam alguns baldes para este propósito, pertencentes a senhora proprietária do apartamento e administradora da pensão, Madalena, porém todas a chamavam solenemente de “Dona Madalena”. Dona Madalena era uma senhora de 75 anos, com problemas nos pés e doenças cardíacas, cabelos curtíssimos brancos, baixa, de quadris largos, grande amante de cerveja, ótima cozinheira quando queria. Costumava reclamar de tudo, facilmente era uma das mulheres mais dissimuladas e manipuladoras que Maya havia conhecido até então. Durante os quatro anos que permaneceu naquele ambiente Maya não conseguiu gostar dela, e o sentimento sempre foi recíproco.
De volta aos baldes, nunca eram suficientes para todas as moradoras lavarem suas roupas, sequer deixa-las de molho. Maya tinha uma forte tendência ao egoísmo, e desde o momento em que colocou duas peças de roupa brancas de molho e horas depois sua amiga perguntou-lhe, “posso usar o balde ou você pretende deixar o dia todo?” ela então decidiu que jamais passaria por aquilo novamente.
A verdade é que aquele sentimento ao mesmo tempo que forte foi bastante passageiro. Por aproveitar o pouco dinheiro de seus dois estágios para bancar seus pequenos luxos e suas saídas para festas, passou a ir em finais de semana alternados para a casa dos pais e lavar suas roupas sem precisar compartilhar os baldes coletivos da pensão.
Maya só veio a conseguir seu próprio balde anos depois quando recém formada, desempregada e caminhando na linha tênue da depressão. A sua ansiedade e sua vontade de sumir só se agravavam a cada vez que lhe perguntavam até que horas ela usaria o balde.
Decidiu fazer algo por si mesma. Sem dinheiro algum, sem perspectivas de vida, no limbo da depressão e com pensamentos suicidas, ela tomou uma decisão. Eram os últimos centavos do pouco dinheiro que seus pais conseguiam lhe mandar para que não morresse de fome, naquela cidade em que eles acreditavam ser sua empreitada para o tão almejado sucesso... O que salvou Maya naquele momento, por mais absurdo que possa parecer, foi comprar o balde. Um balde verde, grande, com um arame grosseiro ao redor. O seu balde. Que ela usaria para o tempo de molho que lhe parecesse mais apropriado.
Quase 15 anos depois, o tal balde ainda existia, hoje no 5o apartamento em que morava desde os tempos da pensão. Quebrado, sem serventia e, cumprindo sua função, simbólico.