o menino

Ficção de má qualidade
4 min readMay 2, 2019

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Tinha um menino lindo na escola. Oitava série, lá em 2005. Por algum motivo, ele não chamava a atenção das minhas amigas, talvez pela cara de novinho e minhas duas amigas mais próximas preferirem caras mais velhos.

Ele não andava com os meninos populares, era mais recolhido e sempre tinha um sorrisinho tímido na cara. Na verdade ele parecia mesmo ser bem tímido. Um tímido fofo. Eu, que também era muito tímida, me senti estimulada a falar com ele. E essa coragem com certeza foi porque ele parecia ser mais tímido do que eu.

Um dia, nas filas para entrar na sala após o intervalo, lá estava ele, que era uma série a menos que eu. Do nada olhei pras minhas amigas e disse “vou perguntar a idade dele agora!”. E lá fui eu. Lembro como ele pareceu surpreso quando cheguei e, no ápice da minha audácia, disse “ei! quantos anos tu tem?” E eu ria de constrangimento, porque achava aquele menino o mais bonito da escola. E ele disse “Quatorze… por que?” e riu. E eu fiquei abismada porque ele um ano mais velho que eu, que jurava que ele era mais novo.

Foi uma mistura da minha observação platônica, a resposta dele e os dois sorrisos que ele me deu. O primeiro quando eu perguntei e o segundo se abriu logo após eu me afastar rápido respondendo a ele um “Ah, sim! Nada não! Obrigada!” Com todas essas exclamações. Então voltei pra minha fila. No intervalo da aula seguinte ele apareceu na porta da minha sala, chamando uma das minhas amigas.

Fiquei intrigada, mas pela primeira vez na vida tive aquela certeza adolescente de que um menino havia sentido o mesmo que eu. E foi isso. Ele perguntou sobre mim e quis me “conhecer melhor”. Não lembro muito bem como tudo aconteceu depois disso. Se conversávamos ou se trocávamos bilhetes ou se minhas amigas levavam nossas mensagens, mas descobri duas coisas: 1) ele era uma série a menos que eu porque tinha repetido de ano, ou seja, ele deveria estudar comigo (!!!) e 2) ele era irmão do cara mais bagunceiro e insuportável da minha sala (mais velho que ele, também repetente) e irmão de um homem-já-feito que minha amiga gostava, além de também ser irmão de um menininho fofo da pré escola que essa minha amiga fazia questão de levar em casa todo dia junto com o menino (que era responsável por buscar e trazer o irmãozinho e eles moravam duas ruas após a escola) na tentativa de ver o irmão mais velho homem-já-feito dele.

Um dia a gente tentou se beijar e minhas amigas planejaram tudo. Era um dia muito quente e ensolarado e elas pediram que ele me esperasse embaixo de uma árvore onde tinha um banco de madeira. Lembro de ir até o meio do caminho, era uma rua depois da escola. Lembro bem de vê-lo sentado no banco alto, as pernas balançando, os sapatos pretos e a farda verde e branca da escola. Ele tinha o cabelo lindo, muito preto e brilhante, volumoso e bem penteado em discretas ondas naturais. Olhos doces que me olhavam em expectativa e, ao se levantar, um sorrisinho no canto da boca que me deixava com frio na barriga. (Ele também tinha uma boca linda, que eu só me dei conta de quão tentadora era alguns anos mais tarde, quando aprendi certas coisas).

E então eu entrei em pânico. O que eu deveria fazer? Beijá-lo? Conversar? E depois? E se ele tentasse me tocar? Eu era só uma menina e me sentia exatamente como apenas uma menina. E a realidade era que, por alguma razão além do meu entendimento da época, eu não confiava nele. O curioso é que naquele ano, o último ano que convivemos juntos no mesmo ambiente escolar (mudei de escola e morávamos em cidades diferentes), ele só me conquistou mais (e às minhas amigas também!) e seguimos flertando. A sensação era ótima. Porém nunca consegui (quis) beijá-lo.

Naquele dia, dei meia volta e me tranquei no transporte escolar e não havia quem conseguisse me convencer do contrário. Me culpei por não ser tão “esperta” e “desenrolada” como as minhas amigas eram, mas paciência, também não me culpei por isso. Sabia que era só uma menina.

Nos anos a se seguir eu continuava a comentar com as minhas amigas o quão “burra” eu havia sido por tê-lo rejeitado, e elas concordavam. E ríamos. Minha amiga encontrou com ele em outras vezes e pelo que ela falava percebi que havia se tornado uma pessoa diferente. Agora ele bebia muito e havia desistido dos estudos. Minha amiga sempre falava com ele quando o encontrava. Não recordo se ele perguntava por mim. Ele se tornou alguém que chamava a atenção dela. Aos meus olhos ele se tornou feio.

Anos mais tarde, quando eu já estava na faculdade, soube do acidente de carro que o matou. Não lembro de detalhes, mas lembro que foi uma grande comoção. Um menino novo, bonito, com toda a vida pela frente… Era o que comovia as pessoas do interior. Ele era uma pessoa querida. E de alguma forma me afeta ainda hoje, mesmo que a nossa história tenha sido curta.

Uma memória não muito segura me acompanha. Minha amiga falando que ele naquela época ele tinha alguns problemas e tinha que fazer terapia. Não lembro se realmente condiz, mas algo em mim diz que sim.

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ficção de má qualidade (e impressões literárias meio pobres)

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